COISAS DA MEMÓRIA
Por vezes damos por nós agarrados à recordação de um momento, de uma história, de um pedaço da nossa vida. Num instante, despoletado sabe-se lá por que magias, abre-se a porta, liberta-se um pedaço da nossa memória.
Aqui há dias, no rescaldo da derrota com o Guimarães, dei por mim preso à lembrança de um certo campeonato num ano já tão perdido no tempo que nem mesmo a filigrana cuidada da recordação é já capaz de definir com exactidão. Pouco importa, que a coisa conta-se rapidinha sem necessitar dessas minudências de contabilista agarrado às coisas pequeninas, ao rigorzinho da data - "o excelentissimo senhor desculpará, mas faz toda a diferença, veja bem que poder-se-á falar aí no seu pensamento de impostos, de taxas, e o preceito aconselha que o faça com números exactos" - diria o senhor das contas, endireitando a mangazinha de alpaca. Valeria a pena dizer-lhe que nesta contabilidade de afectos o que é exacto é a falta de exactidão. Adiante, que afinal vinha aqui contar em duas penadas uma estoriazinha simples, coisas da memória, e estou aqui estou a ocupar mais espaço de antena que a tolerância imensa dos meus colegas aqui desta casa aceitará ou acaso a paciência dos leitores.
A verdade, sem mais rodeios, é que estava mal disposto (há que o reconhecer) após a derrota com o outro vitória. Perdido nestas contas de maus fígados, vejo-me de repente muitos anos antes, agarrado ao rádio na contagem feliz dos golos, dos números dessa vitória imensa, da felicidade da grandeza, do gosto de gritar "mais um", expressando a euforia do lauto repasto, assim foi o jogo com o Académico de Viseu: 6-0. Nunca tinha saboreado uma Vitória tão cheia do nosso Vitória em jogo da 1ª Divisão (como se chamava por esses dias). Barriguinha cheia, dei por mim imenso desse orgulho inchado, dessa tonteria ilusória da vitória infinita. A correcção veio célere, no jogo no estádio do Fontelo, o Académico ganhou, e ganhou bem. Na certeza dos tontos, este rapaz tinha entrado pelo estádio envergando o seu equipamento privado do Vitória. Entrei ufano muito cheio da certeza dos grandes, confiando na inevitabilidade de mais um jogo ganho, sentando-me olhando em volta como que dizendo: "eh rapaziada, preparados para mais uma abada?" exibindo aquele sorriso imbecil próprio dos gabarolas cretinos. No final, não me esqueço das palavras de um homem mais maduro, com muita vida vivida (adepto do Académico) que vendo o meu desalento, percebendo que aquela profusão de verde e branco nos trajes só poderia ser sinal de haver por ali um vitoriano, me disse: "não esteja triste, perdeu mas é um grande clube". Ali estava nas palavras daquele homem a compreensão do prazer de gostar de um clube, sobretudo quando perde. Nesse dia descobri que era, verdadeira e apaixonadamente, um adepto do Vitória de Setúbal
Aqui há dias, no rescaldo da derrota com o Guimarães, dei por mim preso à lembrança de um certo campeonato num ano já tão perdido no tempo que nem mesmo a filigrana cuidada da recordação é já capaz de definir com exactidão. Pouco importa, que a coisa conta-se rapidinha sem necessitar dessas minudências de contabilista agarrado às coisas pequeninas, ao rigorzinho da data - "o excelentissimo senhor desculpará, mas faz toda a diferença, veja bem que poder-se-á falar aí no seu pensamento de impostos, de taxas, e o preceito aconselha que o faça com números exactos" - diria o senhor das contas, endireitando a mangazinha de alpaca. Valeria a pena dizer-lhe que nesta contabilidade de afectos o que é exacto é a falta de exactidão. Adiante, que afinal vinha aqui contar em duas penadas uma estoriazinha simples, coisas da memória, e estou aqui estou a ocupar mais espaço de antena que a tolerância imensa dos meus colegas aqui desta casa aceitará ou acaso a paciência dos leitores.
A verdade, sem mais rodeios, é que estava mal disposto (há que o reconhecer) após a derrota com o outro vitória. Perdido nestas contas de maus fígados, vejo-me de repente muitos anos antes, agarrado ao rádio na contagem feliz dos golos, dos números dessa vitória imensa, da felicidade da grandeza, do gosto de gritar "mais um", expressando a euforia do lauto repasto, assim foi o jogo com o Académico de Viseu: 6-0. Nunca tinha saboreado uma Vitória tão cheia do nosso Vitória em jogo da 1ª Divisão (como se chamava por esses dias). Barriguinha cheia, dei por mim imenso desse orgulho inchado, dessa tonteria ilusória da vitória infinita. A correcção veio célere, no jogo no estádio do Fontelo, o Académico ganhou, e ganhou bem. Na certeza dos tontos, este rapaz tinha entrado pelo estádio envergando o seu equipamento privado do Vitória. Entrei ufano muito cheio da certeza dos grandes, confiando na inevitabilidade de mais um jogo ganho, sentando-me olhando em volta como que dizendo: "eh rapaziada, preparados para mais uma abada?" exibindo aquele sorriso imbecil próprio dos gabarolas cretinos. No final, não me esqueço das palavras de um homem mais maduro, com muita vida vivida (adepto do Académico) que vendo o meu desalento, percebendo que aquela profusão de verde e branco nos trajes só poderia ser sinal de haver por ali um vitoriano, me disse: "não esteja triste, perdeu mas é um grande clube". Ali estava nas palavras daquele homem a compreensão do prazer de gostar de um clube, sobretudo quando perde. Nesse dia descobri que era, verdadeira e apaixonadamente, um adepto do Vitória de Setúbal
6 Comentários:
Às 9:20 da manhã , LA disse...
Não se pode acrescentar nada, não é?
Como sempre, excelente.
Às 1:56 da tarde , Leonel Vicente disse...
Eu tenho uma vaga ideia de um célebre U. Tomar - Beira-Mar (as outras 2 equipas onde Eusébio jogou em Portugal...), em que a minha 'gloriosa' equipa ganhou por 8-1 (devia ter para aí uns 4 anos)!
Enfim, os tempos mudam, e hoje, a glória será evitar a descida à II Distrital!...
Às 3:01 da tarde , Anónimo disse...
Magnífico texto (história), cheio de vitorianismo. Foi um prazer lê-lo!
Às 7:37 da tarde , Anónimo disse...
Sinto que cada vez mais, vale a pena "poisar" por aqui e ler as "crónicas" e as memorias.
Excelente texto... Excelente blog.
Vive-se e ama-se o Vitória por aqui.
Um abraço Vitoriano.
Às 3:24 da tarde , Anónimo disse...
Grande texto, grande HIstória, grande clube, excelente blogue.
Já tinha saudades da emoção de deixar correr umas lágrimas na leitura de textos de vitorianos.
Bem hajam.
Parabéns!!!
Às 9:16 da tarde , Anónimo disse...
Excellent, love it! » »
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